UMA ANÁLISE DOS PROGRAMAS DE GOVERNO DOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA EM 2018
Por: Clovis Roberto Zimmermann, Aditi Doria, Danilo Moura e Lucas Castelucci¹
Estudos internacionais indicam que uma ação ativa do Estado no sentido da prevenção através da promoção do distanciamento e isolamento social teve resultados muito positivos no combate ao coronavírus. Aqui na América Latina, o caso do Paraguai foi exemplar, sendo o país com um número de mortos inclusive inferior ao de Cuba. Com apenas 16 morte registradas até o momento, o Estado do Paraguai teve uma política ativa de combate à epidemia, suspendendo já em fevereiro a emissão de vistos para visitantes da China. Cerca de um mês depois foi decretada quarentena nacional, com suspensão de aulas, proibição de eventos, toque de recolher e fechamento das fronteiras. Segundo o jornal Brasil de Fato, o Paraguai atuou dessa maneira para lidar melhor com a insuficiência de seu sistema de saúde, atuando para controlar ao máximo as infeções. Ao que tudo indica é necessário termos um bom sistema público de saúde, mas sobretudo, uma ação preventiva do Estado contribuiu enormemente para o sucesso do Paraguai e de outros países.
Nesse artigo iremos analisar as propostas dos candidatos à presidência nas eleições de 2018, salientando se há uma proposta de atuação ativa do Estado na melhoria do nosso sistema de saúde bem como de ações preventivas. Apresentaremos os candidatos relevantes da direita para a esquerda, seguindo orientações do cientista político Scott Mainwaring.
Os planos de governo
O programa de Jair Bolsonaro é explícito contra o dirigismo do Estado e bem taxativo na defesa dos princípios liberais. Segundo seu plano, “Ideias obscuras, como o dirigismo, resultaram em inflação, recessão, desemprego e corrupção (Sic). O Liberalismo reduz a inflação, baixa os juros, eleva a confiança e os investimentos, gera crescimento, emprego e oportunidades”(Sic). Além disso afirma equivocadamente que o liberalismo teria tirado bilhões de pessoas da miséria em todo o mundo. Todas essas afirmações carecem de evidências empíricas, fogem totalmente do mundo real e divagam na defesa da ideologia do liberalismo. Segundo Norberto Bobbio, o liberalismo perdeu a batalha no século passado, pois quem mais cresceu nesse período foi o dirigismo do Estado, especialmente nos países mais industrializados.
Com relação à saúde, seu Programa é muito fraco, não apresentando propostas claras, afirmando apenas que gastamos muito com saúde em termos comparativos. No quesito de propostas, o programa se resume em defender e informalizar os postos, ambulatórios e hospitais, algo insuficiente para minimizar nossos problemas de saúde. Única proposta de prevenção está relacionada à saúde bucal e exercícios físicos ao ar livre. O Programa não apresenta nenhuma medida de ampliação do SUS, não fala nada de ampliação de leitos e UTIs. Enfim, enquanto os liberais defendem a atuação da iniciativa privada, a proposta de Bolsonaro na saúde condiz com sua atuação no governo, qual seja, não realizar nada, estando em um nível mais inoperante do que os liberais.
Em seu plano de governo, o candidato à presidência João Amoedo tem como meta para a saúde: reduzir a mortalidade infantil e aumentar a longevidade da população brasileira em comparação aos outros países da América Latina. À longo prazo, pretende “reduzir a mortalidade infantil para menos de 10 óbitos por mil nascidos vivos e aumentar para mais de 80 anos a expectativa de vida do brasileiro”. Em oposição aos planos dos partidos de esquerda, estatistas, o candidato pretende atingir tal meta pela flexibilização da gestão e pelas parcerias público-privado. Propõe o “aprimoramento do acesso e da gestão da saúde pública”; a “expansão e priorização dos programas de prevenção como clínicas de família”; a ampliação das parcerias público-privadas e com o terceiro setor para gerir os hospitais, dando mais autonomia para os gestores e regras de governança para os hospitais. Além disso, propõe a criação de consórcios de municípios para maior escala de eficiência e gestão regionalizada de recursos e prioridades. Por último, define o uso do registro eletrônico da saúde e propõe o uso intenso da tecnologia para a criação de um prontuário único, universal e com histórico do paciente, utilizando-o também para a eliminação das filas com a marcação online de consulta. Enfim, um plano tipicamente liberal, tendo a iniciativa privada e o terceiro setor como protagonistas, algo que não funciona nem nos Estados Unidos da América.
As propostas do plano do candidato do PMDB, Henrique Meirelles, têm como meta: ampliar a participação do governo federal no financiamento do setor da saúde, propõe ampliar os serviços de atenção básica e coordenação das redes de atenção à saúde. Para isso, o candidato propõe melhorar a aplicação dos recursos e investir em melhor organização, eficiência e boa gestão do sistema a partir de: critérios de desempenho, aumento na autonomia hospitalar, incentivos e planos de carreira para profissionais da área. Há também a pretensão de uma maior integração entre os estabelecimentos públicos e privados, mas sem muitos detalhes sobre sua implementação. Além disso, propõe a informatização das unidades de saúde: registro online a fim de facilitar consultas e exames. Entre as propostas que o plano de governo do candidato apresentou para o fortalecimento do SUS está a de fortalecer e ampliar a cobertura do programa saúde da família, referente à saúde básica. Por último, propõe retomar os mutirões da saúde e promover o saneamento e a recuperação financeira dos hospitais filantrópicos e das santas-casas. Percebe-se que esse programa tem uma atuação mais ativa do Estado no financiamento e na gestão da saúde em relação a Bolsonaro e Amoedo.
O plano do PSDB, tendo como candidato Geraldo Alckmin, a saúde é abordada rapidamente no tópico “O Brasil da solidariedade”. A primeira proposta é a digitalização de dados, acreditando que a digitalização e a criação de um prontuário eletrônico são fundamentais para o combate aos atrasos no atendimento, melhorando assim as experiências com a saúde pública. Alckmin, então, infere que visa ampliar o programa Saúde da família, criar ambulatórios para os mais velhos, apoiar gestantes (geral) e promover programas de sensibilização a adolescentes gestantes (específico). A palavra “saúde” é mencionada duas vezes e o programa do PSDB tem apenas 15 páginas.
No plano de governo de Marina Silva e Eduardo Jorge, coligação Rede/PV, a questão da saúde é tratada com mais ênfase no tópico “Somar forças por uma saúde de qualidade para todos”. Nele, a coligação deixa claro que acredita no SUS, mas que, para o SUS poder se reerguer de anos de sucateamento, a estratégia que pretendem adotar seria a união do público com incentivos privados. “Somente a reformulação na gestão permitirá um SUS universalista no direito, mas aberto a uma prestação de serviços que combine órgãos públicos, privados e filantrópicos, orientado por metas e aprimorado por meio da constante avaliação de desempenho e qualidade.” (p.12).
Além disso, acreditam na tecnologia como parceira para situações de agendamentos de exames, no desenvolvimento de equipamentos modernos e eficazes, como também da criação de base única, contendo informações do paciente, histórico de saúde, dentre outros. O programa, ainda, apresenta que o cuidado com a saúde mental é extremamente necessário, pois os índices de depressão e suicídio brasileiros são preocupantes, segundo a chapa. Ao finalizar o tópico, ainda toca na questão dos médicos, tratando da necessidade de ter profissionais qualificados em todos os cantos do Brasil, inclusive nas regiões mais remotas. A palavra “saúde” é mencionada 38 vezes no plano de 45 páginas de Marina Silva e Eduardo Jorge.
O programa de Ciro Gomes parte da premissa de que o SUS é uma política de estado que deve ser aprimorada para melhor atender à população, sendo que para isso apresenta uma série de propostas para a melhor integração e cobertura do SUS. Entre essas propostas estão uma forte atuação na área da gestão da saúde e da atenção básica, além de criar um registro eletrônico com o histórico de saúde do paciente a fim de melhorar o atendimento e a demanda nas diferentes esferas do SUS. Na atenção hospitalar propõe: a criação de uma central de regulação para melhor alocar leitos e procedimentos e com protocolo para prioridade de atendimento; o estímulo à ampliação da rede de policlínicas pela formação de consórcios em mesorregiões, e a redução das filas para realização de exames e procedimentos através da parceria público-privado na compra de procedimentos. Já no atendimento emergencial, pretende aumentar a oferta de atendimento à urgência e emergência, reforçando-a através dos consórcios em mesorregiões e da implementação de regiões de saúde. Como exposto acima, o plano visa melhorar o atendimento da saúde pública através de uma melhor integração dos níveis de atenção (básica, hospitalar e emergencial), apostando, também, no aprimoramento do modelo de gestão: com a “estruturação de uma carreira de gestor na saúde”; dos mecanismos de supervisão, avaliação e controle com a “premiação de hospitais e postos de saúde bem avaliados” e supervisão dos mal avaliados; além disso, propõe melhorias na infraestrutura das regiões mais distantes para estimular a permanência de profissionais de saúde nesta região. Ainda em suas propostas para a saúde, propõe fortalecer o complexo econômico industrial da saúde, os ministérios e os órgãos da área de ciência e tecnologia, ou seja, junto com o estímulo à pesquisa na área, visando o “desenvolvimento e inovação em instituições nacionais” junto com a incorporação, no SUS, das tecnologias de: inteligência Artificial, T.I, Biotecnologia e nanotecnologia. Frisa também, a importância do combate às arboviroses como a dengue, Zika, Chikungunya, da cobertura vacinal e do reforço aos programas bem-sucedidos do SUS: controle de HIV/AIDS, Transplante de órgãos e o sistema nacional de imunização. Por último, o plano do candidato Ciro Gomes do PDT propõe a aproximação entre os gestores do SUS e os operadores do direito da saúde a fim de garantir ao cidadão o direito constitucionalmente previsto à saúde; e nesse âmbito, propõe também a emissão de licenças compulsórias para a sustentabilidade do direito à saúde, reduzindo as barreiras impostas pela atual lei de propriedade intelectual.
O programa do Partido dos Trabalhadores (PT) apresenta no terceiro tópico, na segunda parte a Saúde como direito fundamental, iniciando esse tópico com o compromisso da coligação PT/PCdoB/PROS com o SUS (Sistema Único de Saúde) e com sua implementação total. Além disso, o programa também foca na regionalização da saúde e de seus serviços, tornando assim o cuidado com a saúde algo compartilhado e não isolado e exclusivo. A utilização da tecnologia como aliada da saúde também interessa Fernando Haddad e sua chapa, quando afirma que gerar novos equipamentos com custos reduzidos é uma meta de seu governo, com o objetivo de afetar positivamente a vida das pessoas tantos nos leitos de UTI, como nas UPAS, hospitais etc.
Promover a saúde de formas alternativas, como a regulação direta do uso do sal, tabaco, dentre outras substâncias que em excesso ao longo prazo afetam o bem-estar da população é uma real preocupação do plano petista. É citada também a iniciativa de retomar o programa Mais Médicos, o Brasil Sorridente, a Estratégia da Saúde da Família e diversos programas lulistas que tiveram êxito no passado. De diferencial inovador, apresenta-se o programa Clínicas de Especialidades Médicas (p.29), que propõe integrar consultas, exames, e cirurgias de médio e grande porte.
O programa do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) é o mais extenso e que mais discute a saúde, palavra citada 119 vezes. Há um capítulo para a saúde, pública e universal para todos e todas. O programa faz um diagnóstico acertado e muito discutido na literatura internacional sobre saúde, mostrando que cerca de 75% da população é atendida exclusivamente no SUS, mas mesmo assim os gastos privados, atendendo apenas cerca 25% da população, superam os públicos. Em comparação com outros países, os recursos destinados à saúde pública, no Brasil, representam somente metade da média do gasto em países com sistemas universais semelhantes. A conclusão disso é óbvia, sendo que o Programa do PSOL acerta ao enfatizar o subfinanciamento crônico existente na saúde pública no Brasil, e que foi agravado pela Emenda Constitucional 95, nos condenando ao colapso sanitário e social e a um sucateamento sem precedentes. Caso essa emenda estivesse em vigor entre 2003 e 2015, a União teria gasto 42% a menos (257 bilhões) com ações e serviços públicos de saúde.
As propostas vão no sentido da ampliação do sistema público de saúde, aumentando o financiamento federal na saúde de 1,7% para 3% do PIB: Pretende expandir e fortalecer a rede pública na atenção primária, secundária e terciária e na provisão de medicamentos bem como ampliar o acesso a consultas e procedimentos na atenção especializada, de acordo com as necessidades regionais. Interessante também é a proposta de estabelecer um teto de espera para consultas e cirurgias conforme as necessidades de saúde, e, se necessário e solicitado pela autoridade local, utilizar a rede privada de serviços. Em relação ao atual problema da pandemia, propõe ampliar o número de leitos hospitalares públicos de forma que represente no mínimo 50% dos leitos hospitalares SUS, através de investimento em expansão e aumento de escala de hospitais regionais estratégicos. Em síntese, trata-se de um programa extenso, bem elaborado e que tem seu eixo central a defesa de um Estado atuante em todas as áreas assim como também na saúde.
Conclusões
Os planos dos candidatos à presidência da república em 2018 deixam claro no atual cenário pandêmico brasileiro que os partidos situados no campo da esquerda tendem a ser mais intervencionistas e defensores de um sistema público de saúde. Quando mais à direita, maior é o desejo de repassar os cuidados com a saúde para o setor privado e filantropia.
Chama atenção a ineficiência, inoperância e negligência do Plano de Governo de Bolsonaro por não apresentar nenhuma medida de ampliação do SUS, não apresenta nenhuma proposta de ampliação de leitos e UTIs, nem mesmo sob encargo do setor privado. Assim sendo, temos um novo tipo de política, inexistente até então, cuja proposta é não realizar nada, deixar a saúde relegada à sua própria sorte. Enfim, a proposta de Bolsonaro na saúde condiz com sua atuação de extrema direita, qual seja, não realizar nada, negando o mundo.
Clovis Roberto Zimmermann – Doutor em Sociologia pela Universidade de Heidelberg na Alemanha e professor de sociologia da Universidade Federal da Bahia; Aditi Doria – Graduanda em Ciências Sociais na Universidade Federal da Bahia (UFBA); Danilo Moura – Graduando em Ciências Sociais na Universidade Federal da Bahia (UFBA); e Lucas Castelucci – Graduando em Ciências Sociais na Universidade Federal da Bahia (UFBA);
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